O projeto que tramita no Senado Federal sobre o uso de armas
“menos letais” pelas policias não está agradando os policiais civis e
militares.
Neste final de semana, o
coronel da Polícia Militar do estado de Sergipe, Henrique Alves Rocha, disse
que “restará as polícias civis e militares, em última instância, combater a
criminalidade com “estilingues”.
Veja o que escreveu o
coronel:
Em outubro do ano passado o
fórum brasileiro de segurança pública anunciava os dados da violência no
Brasil, eis que mais uma vez Sergipe ficava em primeiro lugar nos índices de
homicídio, com um agravante especial, ficamos também a capital mais violenta do
país.
Não vamos nos ater a números
pois estamos todos cansados de estatísticas.
Esta semana a Human Rigths
Watch, ong americana de direitos humanos, traz novos números sobre mortes de
policiais que assustam qualquer país do mundo, todavia parece não tirar o sono
do poder público nem por um segundo, apenas no RJ o ano passado foram mais de
130 PMs mortos, 437 policiais em todo país, em serviço ou fora dele em razão de
ser policial.
Na mesma semana que um
sargento do Exército Brasileiro é preso pela PRF fardado traficando fuzis,
munições e drogas, o Senador Valadares faz um substitutivo ao controverso ao
PLS 190/2014, do ex-senador Marcelo Crivella (hoje prefeito do Rio de Janeiro),
que disciplina o uso da força por agentes da segurança pública.
Não custa lembrar que este
prefeito destinou 10 milhões de reais para o carnaval carioca, quando salários
de servidores se encontram atrasados.
O projeto de Valadares
determina que os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização de
instrumentos de menor potencial ofensivo.
Num país que não policia sua
fronteira de mais de 16 mil quilômetros, por onde entram armas dos mais diversos
calibres para os traficantes de drogas e assaltantes de bancos, restará as
polícias civis e militares, em última instância, combater a criminalidade com
“estilingues”.
Eu sempre relutei em
acreditar que, em razão da falta de memória, somos um povo sem história, mas ao
ler a inusitada proposta do Senador Valadares, temo que essa crise na memória
nacional também o tenha atingido e que a assertiva seja verdadeira.
A inoportuna proposta vai de
encontro a realidade vivida pelas polícias brasileiras, que utilizam armamentos
de qualidade duvidosa, que põe em risco a segurança de milhares de policiais
diariamente, armamentos estes consideravelmente inferiores aos utilizados pelos
criminosos. Essa proposta deixa na vala do ostracismo as mais de cem mortes de
policiais militares só no Estado do Rio de Janeiro, não considera também que o
Rio Grande do Norte passou por uma crise em sua Segurança Pública, a qual levou
ao suicídio um dos seus integrantes, por não receber salários por mais de 3
meses, e ainda assim lutar por melhorias de condições de trabalho, dentre as
quais viaturas, fardamento, armamentos etc.
Mais de perto a nossa
realidade, parece não importar que o Policial Militar em Sergipe recebe, por
exemplo, míseros R$ 8,00 (oito reais) para realizar sua refeição durante o seu
labor; da mesma forma parece não importar que os salários dos policiais (e
demais servidores) atrasam e que os policiais inativos (e demais servidores)
além de atrasar, vem parcelado; não importa que nossos quarteis também estão
sucateados; que nossos policiais não passam por programas continuados de
capacitação em defesa pessoal e armamentos, realidade essa que se repete em
outras Unidades da Federação.
Assim, em lugar de sustentar
a falácia da letalidade das ações da polícia, a qual representa a real
manutenção do estado da garantia da lei e da ordem, nosso senador deveria, na
sua condição de parlamentar, buscar alternativas de mudança dessa nefasta
realidade a que se submete os policiais brasileiros e demais integrantes do
sistema de segurança pública.
Na condição de militar
estadual da ativa, interessado direto sobre o tema, me vejo na obrigação de
relembrar ao senador Valadares que os policiais, mesmo com os parcos recursos
que dispões e que são entendidos como de enorme letalidade, morreram às
centenas, continuam sob forte pressão psicológica que extrai parte de sua
capacidade de atenção que é exigida durante o serviço que desempenham, e ainda,
são mal alimentados durante o serviço. Então, levante a bandeira em favor de
condições reais de trabalho, conheça as instituições e depois discuta com os
verdadeiros técnicos, responsáveis pela garantia da lei e da ordem.
Vale registrar que em
Sergipe não se discute segurança pública com a sociedade, não existe políticas
públicas de combate a violência, de combate às drogas, é em nosso estado também
que se decide a instalação de unidades policiais por mero pedido de lideranças
do interior, sem levar em conta opiniões técnicas.
No caso da falta de memória,
teremos sim uma história a contar… uma história de perdas de vidas humanas, de
pais de família, de filhos carinhosos, de defensores da sociedade, mas esta
história não trará novidades, em verdade apenas repetições de dor e lamentação
que serão esquecidas ao passar dos anos.
Ressalto que vários atores
produzem decisões que repercutem na segurança pública, dentre eles o Poder
judiciário (nas duas esferas), poder legislativo (nas três esferas), polícias
(todas), sistema prisional, OAB (através dos advogados), defensoria pública,
forças armadas (defesa territorial) etc., todavia o político só enxerga a
letalidade das polícias.
Essas instituições funcionam
como uma corrente, interligadas por elos, quando um deles tem problemas impacta
em todos os demais.
Então, temos que analisar
cada um para melhorar o funcionamento da corrente como um todo.
O Estado precisa iniciar um
diálogo permanente com a sociedade para construção de políticas públicas de
segurança pública, quem sabe descobriremos que a letalidade das ações policiais
tem origem na total falta de condições de trabalho que impactam diretamente nas
ações/operações policiais realizadas diuturnamente nos mais diversos rincões de
nosso país.
Coronel PM Henrique Alves Rocha
Fax Aju