O presidente Jair Bolsonaro
bateu o recorde de liberações de rádios comunitárias nesta década. Entre março
e abril, ele enviou ao Congresso autorizações para o funcionamento de 440
estações comunitárias nos rincões e periferias do País, parte delas renovação
de emissoras que já estão no ar, o estado de Sergipe ganhará 11 novas emissoras. A quantidade supera as 302 outorgas do governo
Dilma Rousseff, em 2013. Muitos dos canais liberados pelo atual governo têm
indícios de atividades políticas.
A política faz parte do
cotidiano das emissoras. No último dia 14, ouvintes da Rádio Top FM, em
Catalão, Goiás, foram surpreendidos com uma discussão ao vivo. Ao saber que o
adversário e ex-prefeito Jardel Sebba (PSDB) daria entrevista, o vereador
Rodrigão (SD) invadiu o estúdio. O locutor Mamede Leão tentou impedi-lo, sem
sucesso. "O dono da rádio sou eu, Mamede. Jardel não fala hoje aqui,
não", disse o vereador. O locutor reagiu: "Mas o programa não é seu,
Rodrigão". O programa saiu do ar no dia seguinte. Atualmente, há 4,6 mil
rádios comunitárias em operação legal.
Agora, a visão do Planalto
mudou. Representantes do setor disseram à reportagem que o governo ainda não
teve tempo de formar uma rede de emissoras simpatizantes, mas já usa a
liberação de outorgas - uma demanda represada da área - como moeda de troca no
Congresso.
A lei veda o vínculo das
associações outorgadas com rádios com agremiações partidárias ou religiosas.
Acaba, no entanto, não alcançando ligações informais. A Rádio Elshadday FM, do
Recife, foi uma das renovadas neste ano. Ela é dirigida por Marcelo Elshadday,
pastor da Igreja Evangélica Internacional Elshadday, fundada pelo apóstolo
Marcos Campelo.
O líder religioso, que já
tentou ser vereador em 2008 e 2012 pelo PSL e pelo PPS, usa a emissora para
atrair fiéis. "Quero convidar você para estar hoje comigo, com o pastor,
em um culto de unção e libertação", afirmou Campelo em recente
transmissão. Apesar das coincidências, o apóstolo disse ao Estadão/Broadcast não
haver vínculo. O pastor Elshadday, por sua vez, reforçou que são coisas
distintas. "Não é vínculo, a rádio é aberta para qualquer pessoa."
As comunitárias foram
instituídas, há 22 anos, por uma lei do então presidente Fernando Henrique
Cardoso (PSDB). A norma reconheceu o funcionamento das estações, antes
consideradas piratas, que operavam em locais não cobertos por emissoras
comerciais ou educativas. Sob controle formal de associações comunitárias, as
rádios costumam funcionar como cabos eleitorais de políticos. As rádios têm baixa
potência (25 Watts) e um alcance de 4 quilômetros, que pode ser maior a
depender do relevo onde a antena for instalada - elas costumam reproduzir a
programação na internet.
Uma característica das
comunitárias é o conflito comercial. A legislação veda as propagandas. Só é
liberado "apoio cultural", com informações institucionais. Na
prática, porém, as rádios são repletas de anúncios de comércios locais e
prefeituras e Câmaras Municipais. "Não é comercial, é apoio cultural.
Comercial é rádio comercial. Isso aí é o linguajar do governo", disse
Fernando Marques, diretor da Rádio Planalto FM, de Aparecida de Goiânia, Goiás,
incluída na mais recente lista de renovações.
O presidente da Associação
Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), Geremias dos Santos, observou que
as rádios difundem tradições, debatem problemas locais e, na pandemia do
coronavírus, abriram espaço para a educação a distância. "Estão dando um
show de superação e solidariedade."