A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia reviu um voto seu dado em
2018 e, nesta terça-feira (23), garantiu a suspeição do ex-juiz federal Sergio
Moro em ações envolvendo o ex-presidente Lula. A ministra, que no início do
julgamento há três anos votou contra a suspeição, mudou seu voto e inverteu o
resultado para uma apertada maioria de três votos a favor suspeição e dois
contrários.
Em seu novo voto, a ministra disse que levou em consideração a
"peculiar e exclusiva situação" do caso, e disse que todos devem
"imaginar-se e acreditar-se julgado, processado e investigado por uma
contingência do Estado, e não por um voluntarismo de determinado juiz ou
tribunal".
"Todo mundo tem direto a um julgamento justo, perante a um então
juiz imparcial e um tribunal independente e, principalmente, no qual ele possa
comprovar todos os comportamentos que foram aos poucos se sedimentando e se
consolidando", disse Cármen Lúcia em seu
voto. "Este traço e este quadro fundamental, que me dá portanto um cenário
diverso do que foi desvendado no curso deste processo, para se demonstrar o que
considero ser a quebra do direito do paciente, que não teve um julgamento
imparcial, como lhe seria assegurado por força de determinação e normas
constitucionais."
Mais cedo, o ministro Nunes Marques votou
contra a decisão.
Em seu voto, Nunes Marques alegou que não considera as provas, obtidas
originalmente por um hacker e reproduzida em parte pela imprensa, como
imprestáveis ao caso. "Com a devida vênia dos que eventualmente possam
entender de forma diversa, tenho que são absolutamente inaceitáveis tais
provas, por serem frutos diretos de crimes", disse Nunes Marques.
"Entender-se de forma diversa, isto é, que resultado de tais crimes seriam
utilizáveis, mesmo que para a defesa de alguém, seria uma forma transversa de
legalizar a atividade hacker no Brasil."
Apesar de as mensagens vazadas ao site The Intercept
Brasil (que comprovariam a suspeição terem sido auditadas na Operação
Spoofing, o ministro considerou que as mensagens poderiam ser alteradas, o que
inviabilizaria seu uso.
Gilmar Mendes, que lidera a
corrente pró-suspeição de Moro na turma, pediu a palavra e fez nova
manifestação após o voto de Nunes Marques, rebatendo sua argumentação. "A
combinação de ação entre o Ministério Público e o juiz encontra guarida em
algum texto da Constituição? Pode se fazer esta combinação?", questionou o
ministro. "Isso é garantismo? Nem aqui nem no Piauí, ministro
Kássio!"
Gilmar chegou a se exaltar contra o argumento de Nunes Marques é prova
ilícita. "O meu voto está calcado nos elementos dos autos! 'Mas pode ter
havido inserções, pode haver manipulação' mas não se fez!", disparou.
"Ou o hacker é um ficcionista, ou estamos diante, de fato, de um grande
escândalo. E não importa o resultado deste julgamento: a desmoralização da
Justiça já ocorreu!"
A intervenção de Gilmar Mendes durou uma hora e 38 minutos, e só foi
interrompido por Ricardo Lewandowski,
que também considerou "inconcebíveis e inaceitáveis" algumas das
medidas tomadas pela Lava Jato – defendendo a adoção destas provas obtidas
por hackeamento."Estes são fatos supervenientes, e estamos acostumados a
considerá-los", disse o ministro.
Após a admoestação, Nunes Marques preferiu abrandar a
discussão."Meu contributo é o silêncio. E esse silêncio é justamente em
homenagem aos votos divergentes", comentou. Em seu comentário, porém,
acusou que Gilmar poderia estar menosprezando o Piauí, estado natal de Nunes
Marques.
Até esta sessão, dois ministros haviam votado a favor da suspeição
(Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) e dois contra o pedido de Lula (Edson
Fachin, relator do caso, e Cármen Lúcia). O julgamento estava suspenso desde o
início do mês para vista de Nunes Marques, que alegou não ter tido acesso aos
autos.