Lá se vão 20 anos de um dos
dias mais fotografados, filmados e comentados da história da humanidade. Quando
uma das duas torres do World Trade Center foi atingida por um avião com 92
pessoas a bordo, toda a imprensa mundial interrompeu o que estava fazendo e
voltou suas atenções para Nova York. No horário de Brasília, adiantado uma hora
em relação ao epicentro dos acontecimentos, os relógios marcavam 9h46. Menos de
20 minutos depois, a outra torre se tornou alvo de um segundo avião, com 65
passageiros a bordo.
Muitas pessoas que nasceram
nas décadas de 1960, 1970 e 1980 ou mesmo no início da década de 1990 costumam
se lembrar com exatidão do que estavam fazendo naquele 11 de setembro de 2001
quando tomaram conhecimento do que se passava. Em todo o mundo, onde houvesse
uma televisão ligada, havia uma reunião de pessoas intrigadas com as cenas:
cada uma das duas torres em chamas demoraria cerca de uma hora para ir ao chão
depois de atingida. Com a queda dos edifícios, que funcionavam como um complexo
comercial, quase 3 mil pessoas perderam suas vidas. Uma nuvem de poeira se
formou por quilômetros.
O atentado se tornou um dos
maiores eventos da história. “Faço uma associação curiosa porque eu cresci
escutando meus pais e meus avós falando onde estavam quando o homem pisou na
Lua. E eu lembro exatamente do 11 de setembro de 2001. Estava fazendo estágio
em uma empresa, entrou na sala uma pessoa falando que havia tido um acidente
com um avião em Nova York. Ainda não se tinha ideia de que era um ataque. Nós
corremos para a televisão e vimos ao vivo o segundo avião se chocando com o
edifício”, diz Jorge Lasmar, especialista em Relações Internacionais e
professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Ao todo, quatro aviões
comerciais foram sequestrados por terroristas. Além dos dois direcionados ao
World Trade Center, um foi jogado contra o Pentágono, sede do Departamento de
Defesa dos Estados Unidos localizado na capital Washington. O último acabou
caindo na zona rural de Shanksville, no estado da Pensilvânia. Especula-se que
o alvo poderia ser o Capitólio, sede do Congresso, ou a Casa Branca, residência
oficial do presidente do país.
Os desdobramentos são bastante
conhecidos: a Al Qaeda assumiu a autoria do atentado e, no mês seguinte, os
Estados Unidos invadiram o Afeganistão, onde a organização terrorista estaria
abrigada. O país era comandado na época pelo Talibã, um grupo fundamentalista
que aplica sua interpretação da Sharia, a lei islâmica. Após duas décadas, o
governo norte-americano decidiu encerrar a ocupação e, no mês passado, o Talibã
retomou o controle do Afeganistão, quando as tropas dos Estados Unidos estavam
organizando sua retirada. O então presidente afegão Ashraf Ghani, eleito em
2014 e reeleito em 2019, não ofereceu resistência ao Talibã e fugiu do país.
Apesar da cronologia dos
acontecimentos ser de domínio público, muitos aspectos ainda são debatidos por
especialistas. São questões que vão além da superficialidade dos fatos e
envolve os seus efeitos. “Não há dúvida de que o mundo que a gente vive hoje
foi consequência do que aconteceu”, afirma Jorge Lasmar.
“No final da década de 1990,
caminhávamos para a consolidação de uma atmosfera mais liberal no sentido
capitalista, com os Estados abrindo suas fronteiras e seus mercados e com
relações mais pacíficas entre os países. De repente, isso mudou. Começou a
haver contestações à visão americana, sobretudo pela Rússia e pela China. As
fronteiras ficaram mais fechadas. A questão do uso da força voltou a ser um
componente nas relações internacionais. E tivemos um avanço do terrorismo.
Mesmo com a redução dos ataques e das mortes nos últimos anos, os números hoje
ainda são muito mais altos do que eram antes de 2001”, completa.
Ele pondera, no entanto, que o
mundo não deve ser analisado somente pela ótica de um evento. “Muita coisa
aconteceu de lá pra cá. Há efeitos, mas estamos hoje numa situação mais
complexa e delicada”, avalia.
Políticas de segurança
Como desdobramento do
atentado, uma série de leis aprovadas em torno da palavra de ordem “guerra ao
terror” reduziram a liberdade e a privacidade de cidadãos nos Estados Unidos,
especialmente de estrangeiros. A Europa também seguiu essa tendência. Foram
definidos, em todo o mundo, novos mecanismos e protocolos de controle nos
aeroportos: revista mais minuciosa das bagagens, uso de detector de metal,
restrição a líquidos na mala de mão. A tecnologia foi aprimorada para
aprofundar o monitoramento, com scanners corporais, detectores de explosivos e
outros equipamentos.
“Assim como o final da Guerra
Fria inaugurou uma nova era nas relações internacionais, o atentado de 11 de
setembro também simbolizou uma ruptura na forma como se analisava a segurança
internacional. A ideia de inimigo transacional, desterritorializado e que pode
causar um caos e muitas mortes sem ter o domínio de armas bélicas sofisticadas
trouxeram novos parâmetros para o planejamento de segurança dos Estados,
reforçando a importância da cooperação internacional”, observa a cientista
política Ariane Roder, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
Segundo Thiago Rodrigues,
pesquisador em relações internacionais e professor da Universidade Federal
Fluminense (UFF), o desenvolvimento da tecnologia de segurança colocado em
marcha após o 11 de setembro gerou e continua gerando mecanismos de controle
das populações, como a biometria e os variados dispositivos para monitoramento
do espaço urbano.
“Quem começou a viajar nos
últimos 20 anos, principalmente as pessoas mais jovens, não sabe como era
antes. Hoje temos diversas camadas de controle, que vão desde a emissão de
vistos até as revistas rigorosas nos aeroportos. Mas com exceção dos grupos
capturados na iminência de um atentado, não dá pra saber exatamente quantos
ataques foram inibidos por essas medidas de segurança. Então os efeitos
realmente mensuráveis não são os efeitos sobre os terroristas, mas sobre nós.
Mesmo que o terrorismo sumisse hoje, essas tecnologias criadas em nome do
combate ao terrorismo não seriam abandonadas”, avalia.
Jorge Lasmar considera que o terrorismo
exige que o mundo se mantenha vigilante. “A gente continua tendo atentados e
algumas dessas regras conseguem impedir novos ataques.”
No entanto, ele também vê
efeitos colaterais que decorrem desse ambiente de controle, como a construção
de muros entre os países. “As fronteiras do mundo estão mais fechadas. Temos
mais fronteiras físicas entre os Estados do que tínhamos depois da Segunda
Guerra Mundial. Há a questão dos refugiados e as dificuldades para o
reconhecimento de asilo. A exigência de vistos diante do fluxo de pessoas.”
Em meio a toda essa vigília
das populações, os pesquisadores veem um fortalecimento dos estereótipos contra
imigrantes provenientes de países considerados como uma ameaça aos valores
ocidentais, como a democracia e a liberdade individual.
“Isso tem gerado um outro tipo
de extremismo, que tem motivação étnica. Está ligado aos movimentos de
supremacia branca, que se alimentam dessa retórica estereotipada contra as
pessoas do Oriente Médio. É algo que cresceu muito nos últimos anos no mundo
ocidental. E ainda se fala pouco disso. Ainda há um pudor em reconhecer esses
grupos como grupos. Mas fechar os olhos para essa questão é um problema, porque
esse movimentos vão ganhando força”, observa Lasmar.
Impactos militares
O atentado também revelou
sofisticações nos modos de operar de grupos terroristas. Um aspecto que chama a
atenção foi a dificuldade encontrada para localizar Osama bin Laden, líder da
Al-Qaeda e apontado como o idealizador dos ataques. Mesmo empregando a mais
avançada tecnologia, foram necessários quase 10 anos para que as forças
norte-americanas o localizassem. Sua morte foi anunciada em maio de 2011.
A guerra ao terror se
desdobrou em outras ações militares como a ocupação do Iraque em 2003, país que
era comandado por Saddam Hussein desde o final da década de 1970. Na época,
Estados Unidos e Inglaterra diziam deter provas de que o país guardava um
grande arsenal de armas de destruição em massa que representava um perigo à
população mundial. Saddam foi enforcado em 2006, mas as armas nunca foram
encontradas. Os dois governos que lideraram a ocupação afirmaram,
posteriormente, que confiaram em informações que se mostraram falsas.
As incursões militares no
Oriente Médio não eliminaram os grupos terroristas. Nos últimos anos, o Estado
Islâmico tem se tornando uma peça-chave nos conflitos que se desdobram na
região, sobretudo na Síria, no Iraque e no Afeganistão.
A retomada do poder do Talibã
no Afeganistão, na visão de Ariane Roder, retrata a ineficácia do uso de
instrumentos clássicos de guerra para lidar com a situação. Segundo ela, as
soluções requerem muito mais do que o uso da força.
Ela também observa que há uma
dimensão de resistência cultural que alimenta os grupos terroristas. “A
utilização realizada por alguns grupos terroristas da religião extremista como
instrumento de aliciamento e construção do poder causou um distanciamento ainda
maior entre culturas do Ocidente e Oriente, com desconfianças, preconceitos e
desrespeitos”, acrescenta.
Para Jorge Lasmar, os Estados
Unidos apostaram equivocadamente em um investimento maciço de propaganda sobre
sua própria sociedade.
“Buscaram disseminar os
valores americanos. Mostraram como a democracia ocidental é legal, como a vida
no país é legal, como a liberdade não comporta o terrorismo. Mas muito disso
não foi bem recebido não só no mundo muçulmano, mas em todo o mundo oriental.
Era uma cultura exógena. E há outros caminhos. Diversos líderes muçulmanos são
capazes de mostrar que não há nada na religião islâmica que legitime o
terrorismo.”
Lei nacional
No Brasil, na véspera dos
Jogos Olímpicos sediados pelo Rio de Janeiro em 2016, foi aprovada uma Lei
Antiterrorismo (Lei 13.260/2016). Havia um temor de que se repetissem cenas
ocorridas dois anos antes, na Copa das Confederações de 2014, quando uma forte
onda de manifestações resultou em cenas de violência e assustou turistas. Foi
definida como terrorismo qualquer ação motivada por razões de xenofobia,
racismo, etnia e religião, que tenha por objetivo causar terror social a partir
do uso, transporte ou armazenamento de explosivos; gases tóxicos; conteúdos
químicos, biológicos e nucleares; ou outros meios que possam promover a
destruição em massa.
Essas ações podem envolver
sabotagem ou ameaça em meios de transporte, portos, aeroportos, estações
ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios
esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos
essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações
militares e instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás
e instituições bancárias.
Segundo Thiago Rodrigues, a
lei incorpora uma perspectiva de terrorismo disseminada de forma global. “Em
parte, é resultado de uma pressão que tem a ver com o 11 de setembro. É uma
pressão que vem do Comitê Olímpico Internacional, de alguns países específicos
como os Estados Unidos e também do capital privado que investe e patrocina os
eventos esportivos. Houve uma cobrança por medidas afinadas com as expectativas
de países mais envolvidos na guerra contra o terrorismo”.
Ao mesmo tempo, ele observa a
presença de outros componentes que não têm relação com o 11 de setembro. “Há
outra parte que tem mais a ver com o nosso ambiente político. Há muitos anos de
pressão de segmentos da sociedade e de uma ala do Congresso para se ter um
maior controle de movimentos sociais consolidados no país. E a lei é ambígua o
suficiente para deixar brechas. Dependendo da interpretação, pode ser usada
para tentar criminalizar movimentos sociais.”
Jorge Lasmar vê pontos
positivos e lacunas no texto da Lei Antiterrorista. “Caminhou numa direção
certa de não de designar terroristas e, sim, atos terroristas. Há um excludente
explícito dizendo que movimentos sociais não podem ser caracterizados com
grupos terroristas. Pode-se até discutir se isso seria redundante, mas as
legislações antiterroristas possuem um alto custo social, que pode ensejar
maior militarização da polícia e aumento de força do Poder Executivo, o que faz
com que esse tipo de resguardo seja positivo. Mal não faz. Movimento social não
tem nada a ver com terrorismo”, explica.
“Mas o conceito de ato
terrorista no artigo 2º o vincula a uma motivação de discriminação racial,
étnica, religiosa. Isso pode ser problemático porque existe um terrorismo
político onde não há essa instância de discriminação”, completa o especialista.
Fonte: Agência Brasil