A biblioteca do pensador sergipano Tobias Barreto de Menezes (1839-1889), com cerca de 437 volumes, 102 deles em alemão, foi comprada pelo governo do Pernambuco, em seguida à morte de Tobias, e encaminhada para a Faculdade de Direito do Recife. Clóvis Beviláqua, então bibliotecário daquela faculdade, intermediou a transação, atendendo proposta de Silvio Romero e de Afonso Celso. Artur Orlando também teria participado das negociações, na tentativa de ajudar a família daquele que reputavam como mestre.

 Tobias faleceu no Recife; o corpo foi transportado para Aracaju, depositado em uma urna de bronze, junto a uma estátua que o homenageia. A família do mestre sergipano, então composta pela viúva e por nove filhos, passava por muitas dificuldades, majoradas com a doença e morte de Tobias. Donativos foram pedidos e recolhidos; um grupo de pessoas percorreu as ruas do bairro recifense de Boa Vista arrecadando dinheiro para os descendentes.

 Havia necessidade do levantamento de recursos, em favor da família, e forte movimentação nesse sentido foi realizada. Esse dramático assunto será retomado mais adiante. Os livros de Tobias foram vendidos. O dinheiro teria ajudado a viúva e seus filhos. Em carta endereçada a Artur Orlando, datada de 21/8/1903, um dos filhos de Tobias, João Barreto, encareceu esforços para que se concretizasse a venda e o pagamento dos livros. Com esse objetivo, Silvio Romero também intercedeu em nome da viúva. A biblioteca de Tobias foi para o acervo da Faculdade de Direito do Recife, onde até hoje se encontra.

 A biblioteca de Tobias abrigava um arsenal de ideias que foram colocadas a serviço do pensamento germânico em detrimento da influência do pensamento francês. O germanismo de Tobias é uma variável interessante no servilismo que a cultura brasileira prestava para os valores e ideais franceses. Constata-se nos livros de Tobias a preponderância de autores alemães, o que distinguia o pensador sergipano dos demais juspublicistas brasileiros daquela época. As bibliotecas que havia eram carregadas de livros franceses.

 Ainda quanto à biblioteca de Tobias, no fim da década de 1960, o cientista político Vamireh Chacon, formado em Direito pela Faculdade do Recife, catalogou as obras alemãs do professor sergipano, indicando 102 volumes, ainda que tenha localizado apenas 79 livros. Vamireh Chacon é exímio conhecedor do pensamento e do legado de Tobias, de quem traduziu vários textos originariamente escritos em alemão; foi o organizador da primeira lista completa da biblioteca alemã do pensador sergipano. Chacon dividiu os títulos de Tobias entre os vários temas que interessava ao intelectual sergipano, nomeadamente: religião, Ciências Sociais, Direito (subdividido em legislação, Filosofia do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito romano), Filologia, Ciências Naturais, bem como temas de literatura em geral.

 Chamou a atenção de Vamireh Chacon o fato de que um quarto da biblioteca de Tobias fosse composta por títulos de autores alemães na língua original, "o que representa algo de extraordinário para a época". Entre os livros de Filosofia poderia se constatar grande interesse de Tobias por Kant e Schopenhauer, em detrimento de Nietzsche e de Hegel, que estudou por intermédio de Richard Haym. Chacon surpreendeu-se com o fato de que Tobias contava com uma gramática russa, a partir do alemão; a surpresa é maior ainda com a constatação do fato de que o autor sergipano teria se "aventurado até" a adquirir alguns volumes das obras completas de Ivan Turguiéniev em russo.

 Vamireh Chacon divulgou dois documentos de forte apelo emocional, relativos ao destino da biblioteca de Tobias. Publicou a carta de João Barreto de Menezes, filho de Tobias, endereçada a Artur Orlando, e datada de 21/8/1903, referente ao pagamento dos livros. Passados quatro anos da morte de Tobias e da venda dos livros o pagamento ainda não fora feito.

 O acervo de livros alemães de Tobias foi assunto explorado também por Lilian de Abreu Pessoa, professora da Universidade de São Paulo. Lilian Pessoa estudou o pensamento alemão de Tobias, assunto que tratou em livro hoje esgotado [1]. Com base no serviço de referência da Faculdade de Direito do Recife publicou uma lista dos livros alemães de Tobias, tal como se dispunha desses dados, em 1978. Trata-se de uma listagem bem pormenorizada, com indicação dos volumes, do número de páginas e da indicação do localizador no acervo. A lista publicada por Lilian Pessoa dá conta de 114 títulos.

 A biblioteca de Tobias, em especial, e seu pensamento, de modo geral, foram pontos que também chamaram a atenção de Mario Losano, jurista italiano que demonstrou grande interesse pelo Brasil. O assunto da biblioteca de Tobias foi explorado por Losano, aprimorando-se a pesquisa. Losano apresentou lista atualizada da biblioteca em livro que publicou sobre Tobias, um trabalho que ainda não foi traduzido para o português [2]. Mario Losano buscou exemplares idênticos aos livros da biblioteca alemã de Tobias na Bayerische Staatsbibliotek em Munique, compondo uma lista final com a correta identificação dos vários autores. O trabalho de Mario Losano é de algum modo definitivo, no sentido de que esse jurista europeu conseguiu enfrentar as várias dúvidas que havia em torno dessa famosa biblioteca. As listas de Vamireh Chacon e de Mario Losano se complementam.

 Ainda quanto à biblioteca de Tobias, ao ensejo dos 170 anos de seu nascimento (em 2009), Karine Gomes Falcão Vilela, da biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, coordenou publicação informativa, a propósito de mostra bibliográfica comemorativa, sistematizando as informações hoje disponíveis, bem como noticiando o estado atual do acervo [3]. Nessa publicação há informações sobre alguns autores alemães da biblioteca de Tobias Barreto, o que revela permanente curiosidade em torno dos autores que fascinaram o pensador sergipano.

 No contexto do estudo de Tobias, com referência em sua biblioteca alemã, pode-se enfrentar algumas questões interessantes, que são marginais e ao mesmo tempo latentes no pensamento de Tobias. Afinal, como selecionava os livros alemães que comprava e estudava? Fazia-o intuitivamente? Dependia de catálogos, vendedores, importadores? Vivendo em permanente estado de necessidade material, que fatores econômicos condicionaram suas opções? Os biógrafos e estudiosos da obra de Tobias, em fartíssima bibliografia, exploraram superficialmente essas dúvidas, porque também tampouco formuladas. Além do que, uma proposta inovadora de estudo de Tobias consistiria em cotejar seu germanismo com a então dominante tendência de domínio de ideias e de autores franceses.

 A biblioteca alemã de Tobias é campo temático que permite ao observador europeu uma apreensão adicional da historicidade dos arranjos institucionais continentais, ainda que se corra o risco de uma imagem distorcida do processo de recepção. Altera-se a moldura espacial de pesquisa do Direito europeu, podendo-se tentar captar fórmulas de recepção, no caso, do pensamento alemão, a partir de sua pregação e difusão no Nordeste brasileiro. O estudo das ideias de Tobias, nesse mesmo conjunto, também propicia amplo campo de investigações.

 Eu apresentei uma modesta colaboração a esse tema em livro publicado pela Editora Juruá, "Tobias Barreto — uma biografia intelectual", no qual enfatizo a importância de Tobias para a construção de uma identidade da cultura jurídica nacional. Trata-se de uma pesquisa que realizei no Instituto Max Planck de História do Direito Europeu, em Frankfurt, onde cotejei os livros da biblioteca de Tobias com os títulos originais alemães, de edições idênticas. Esse estudo sugere algumas pistas e chaves interpretativas para o tema das trânsito universal das ideias jurídicas.

CONJUR 

 

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