Os presidentes das operadoras
de telecomunicações conseguiram apoio da Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações), que encampou um pleito das empresas e sugeriu ao governo a
criação de um vale mensal para que clientes de menor porte aquisitivo possam
manter suas contas de celular.
A proposta foi direcionada pela presidência da
agência ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Telecomunicações na
semana passada.
Pessoas que participaram das discussões
afirmam que a ideia é que esse vale mensal seja de R$ 30, vigore pelos próximos
três meses, e seja custeado com recursos do Fistel (Fundo de Fiscalização de
Telecomunicações).
Para isso, as operadoras pedem postergação do
recolhimento para esse fundo por ao menos 90 dias.
O valor a ser pago neste mês é de cerca de R$
4 bilhões, segundo as empresas, pelos últimos doze meses.
O Fistel é um conjunto de obrigações anuais,
recolhidas mês a mês: a TFF (Taxa de Fiscalização de Funcionamento), a CFRP
(Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública) e a Condecine
(Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional).
A proposta enviada ao ministério pede uma
pausa de 90 dias para o recolhimento da TFF, 120 dias para a CFRP e 180 dias
para a Condecine.
O valor devido seria ainda parcelado em entre
24 e 36 mensalidades.
Na reunião com o ministro da Economia, Paulo
Guedes, ocorrida por videoconferência no final da semana passada, as empresas
sugeriram que o vale pudesse ser estendido para toda a base de clientes das
empresas.
Na proposta da Anatel, o vale seria destinado
somente a beneficiários do Bolsa Família e do Cadastro Único.
As empresas cogitaram até a possibilidade de
oferecerem crédito via celular. Neste caso, as fontes teriam ser mais robustas.
Embora não tenham apresentado ao ministro
quais seriam essas fontes, consideram o uso do Fistel, que acumula um saldo de
R$ 93,4 bilhões desde a privatização da telefonia, e do Fust (Fundo de
Universalização das Telecomunicações), que conta com cerca de R$ 22 bilhões.
A preocupação das teles é a mesma de todo o
varejo. Como estão com lojas fechadas, não realizam vendas.
O consumo da clientela de pré-pagos, que em
muitas operadoras passa de 60% das linhas ativas, começou a dar sinais de
queda.
Em algumas operadoras as recargas de chips
pré-pagos despencou 70% no último mês.
Nesse ritmo, em dois meses, as empresas dizem
que estarão sem fluxo de caixa e isso poderá comprometer a qualidade do serviço
-já sob pressão do aumento de tráfego de
internet pelos clientes pós-pagos.
Essa explicação também foi
dada ao ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Marcos
Pontes.
Tanto Pontes quanto Guedes, da Economia,
mostraram-se interessados em resolver o problema para evitar um colapso nas
redes de telecomunicações, considerado um serviço essencial pelo decreto que
instituiu o estado de calamidade pública no país por causa da crise causada
pelo coronavírus.
A solução, no entanto, não será simples. Desde
que foi criado até hoje, os recursos desses fundos, particularmente o Fust,
nunca foram destinados para a ampliação dos serviços, especialmente nas regiões
mais pobres do país.
O dinheiro sempre serviu para ajudar a União a
cumprir as metas fiscais e ajudando em outras despesas. Ou seja: o saldo desses
fundos é meramente contábil.
Para liberá-los integralmente ou parcialmente,
o Tesouro deverá arcar com a reposição de uma parcela que já foi gasta, segundo
técnicos do governo e da Anatel.
Caso a proposta avance, uma saída seria usar o
próprio fluxo de recursos do fundo deste ano, e não seu estoque.
O vale-celular surge no momento em que o
Ministério da Economia cogita a eliminação de 248 fundos setoriais, como o Fust
e o Fistel.
A justificativa de Guedes é que a medida
contribuiria para desvincular receitas públicas a despesas específicas e,
portanto, daria mais liberdade à formulação e à execução do Orçamento.
A ideia foi encaminhada por meio de uma PEC
(proposta de emenda à Constituição) e tramita atualmente no Congresso.
A intenção do ministro é que os recursos
parados nos fundos, cerca de R$ 220 bilhões, sejam destinados ao abatimento da
dívida pública.
Até o momento, com o pacote de socorro
anunciado, o déficit projetado atingiu R$ 419 bilhões, o maior da história.